16 maio 2009

Escuridão


Quem ousa percorrer os caminhos mais internos de qualquer círculo arrisca-se a encontrar bizarrias desviantes, mistérios, enigmas, oráculos, esfinges que podem levar à loucura labiríntica a mais racional das mentes. São passagens entre os mundos conhecidos, dimensões paralelas (ou não), limbos mentais, extensões existenciais, dilatações da realidade, expansões da consciência.

Há quem apascente aí o espírito, quem beba nessas fontes a inspiração criativa e produtiva, por vezes iluminada, que mata a fome aos indefectíveis sobreviventes de uma era magra em criatividade. Há quem traga dessas estranhas paragens um sentido de vida que faísca nas sinapses nervosas até ao estado de curto-circuito, como centelhas demenciais com um fulgor de mil sois num mundo privado de imparcialidade, em que o ser humano é treinado, educado e instruído para aceitar os padrões de normalidade, a realidade pouco plástica, e a existência simples e comutante.

Dizem os sábios que é necessário estar submergido na escuridão para ver a Luz. Quem percorre caminhos mais luzidios e nítidos andará encadeado?

Dizem os padres exorcistas que quem olha as trevas nos olhos, deixa-se transfixar e leva-as consigo onde quer que vá. Talvez. Farão melhores exorcismos depois do primeiro?

05 maio 2009

O velho diabo


- “Com mil demónios!” disse o velho diabo. “Afinal de quantas colheres de madeira precisas tu, Artesão? Estou a ficar com bolhas nas minhas sacras mãos com a tua chantagenzinha…”
O Artesão suspirou e propôs-se a repetir novamente os pressupostos.
- “Criatura, já te expliquei. Queres que te ajude e te faça uma cruz sólida e digna, tens de me entregar mil colheres de madeira todas diferentes até ao sol-posto. Eu cumpro a minha parte e tu a tua.”
- “Mas por que raio te escolheria o Grande Arquitecto para esta missão? És nitidamente louco. Que têm de tão magnífico as tuas cruzes? Afinal qualquer uma que não vergue com o peso de um homem serve bem o propósito…”
- “Aí é que te enganas, aventesma! As minhas cruzes são feitas de madeira de acácia envelhecida em vinho velho e os entalhes com madeira virgem de laranjeira. Jamais encontrarás outras iguais nem que percorras esta terra mil anos.”
- “Shhhh, não Lhe dês ideias…” Disse o velho diabo encolhendo-se olhando para cima e esfregando as articulações doridas da já demasiado longa permanência na terra. E continuou … “ mas diz-me, para que queres tu o raio das colheres?”
- “ Colheres feitas por um diabo velho?!? São de uma utilidade magnífica. Olha, só os alquimistas da idade média, é uma lista infindável de encomendas, os druidas são outros, completamente maluquinhos por elas, não sabem fazer uma simples poção sem uma. Místicos, químicos, magos, exorcistas. Sabes lá … Não me largam. Tenho vendido bastantes das falsas, isto é, feitas por mim, mas é mau para o negócio. Assim que descobrem que não têm dedo de demónio, vêm cá reclamar, dão-me cabo da oficina, partem-me tudo, enfeitiçam-me a família, eu sei lá… Daí que não possa deixar passar esta oportunidade, entendes?”
- “Mas que porra de mundo este! Tenho saudades dos tempos do jardim do Eden. O Arcanjo Miguel com a sua espada de fogo mandava em todos nós e mais nada. Vocês eram uns bichinhos mansos e ludibriáveis… Se soubesse o que sei hoje, tinha estado mas é quietinho e deixava-vos na ignorância e sem salada de frutas. Mas estava tão aborrecido… “ E suspirou um longo e nostálgico suspiro voltando às colheres trôpegas e rudimentares.
O Artesão encolheu os ombros e continuou a talhar a Cruz. O fim do dia aproximava-se e ele sabia bem a quem se destinava esta. Era hora!

Espelho


Porta.
Entrada.
Saída.
Dimensão.
Passagem.
Futuro.
Acesso.
Mudança.
Ilusão.
Engano.
Aparência.
Adivinhação.
Transformação.
Narcisismo.
Prefiguração.
Aperfeiçoamento.
Correcção.
Imanência.

Templo


Somos Salteadores do Templo Perdido. Porque sim. Porque está na nossa natureza. Porque é uma segunda casa que nos acolhe e que nos resguarda dos ventos. Porque guarda os nossos segredos, principalmente aqueles que não queremos que os aliens que espiam a nossa raça ouçam. Porque somos filhos da noite e adormecemos melhor no seu amplexo. Acrescentamos-lhe cruzes, brindamos às suas paredes, construimos mundos no seu âmago. No Templo Perdido, tudo nos é permitido. Somos os Deuses e os fiéis. Somos as velas e o livro sagrado. Somos os sacerdotes e os cultos, fiéis à pedra sovada pelo vento salgado.

Estrutura Fálica


Por vezes, os encontros com a arte pós-moderna têm destas coisas. Achei muito interessante, daí a homenagem. Que me perdoe o autor pela renomencaltura, mas não consegui resistir.

Teoria do Caos (ou não)




Há acontecimentos que mudam a vida.

Bons, maus, não interessa. São dinâmicos.

Têm a capacidade de transformação.

Geram mudança, novidade, transmutação, metamorfose.

Um pouco como a teoria do bater de asas de uma borboleta.

A partir do instante em que acontecem, em que tomam existência, traçam novos caminhos, novas formas de existir, novos actos, novos passos.

As mais das vezes, o ser nem se dá conta. São as tais membranas de filigrana de prata existenciais. Tão frágeis, tão delicadas, tão intrincadas. Mas tão poderosas.

Cortantes como bisturis de cirurgia.

Cortam na existência como uma lâmina quente em manteiga.

Mudam as formas, refazem, reestruturam.

E para tanto, basta estar vivo. Basta existir.

Vê-se um capítulo da vida encerrar e outro a começar assim… sem quase se ter influência.

Age-se e já está.

Inicia-se um processo que dificilmente se pode parar.

É a roda do Dharma. A Epigénese. A constante dinâmica universal.

Diligente, enérgica, inflexível.

E ao ser, basta-lhe deixar-se ir, boiar à tona do rio da vida.

Nadar contra a corrente só servirá para conhecer a sensação de afogamento.

É um exercício que muita gente pratica.

Nadam constantemente em contra-corrente no rio da vida.

Cansam-se, desesperam, perdem a noção de equílibrio.

Por vezes há que confiar nos seres mais elevados que redigem a cada nano-segundo toda a estrutura cósmica.

Nem que seja assumir que estes são as nossas consciências mais altas, os nossos super-egos, deuses, aqueles em que nos tornaremos se para tanto quisermos seriamente evoluir. Transcendência do estado humano.

Difícil. Sim. Mas possível.

Como diz o Outro "Todos somos Deuses em potência!"

O triste da questão é que ninguém quer acordar.

Ninguém se quer transcender.

Toda a gente prefere estar preso na roda, como um hamster.

E assim passam as vidas a correr de um lado para o outro, convencidos que estão a fazer algo pelo simples facto de correr.

Mas correm como um ratinho numa gaiola, na sua roda eterna, sem sair do lugar.

Há que roer as barras de metal da prisão e descobrir o Mundo.

Crescer, evoluir, escalar. Custa. Dói. Martiriza.

O sofá é bem mais confortável. Seguro. Fôfo. Estático.

Imagino o desespero de um Buda, de um Lúcifer, de um Zoroastro, de um Cristo.

Que frustração.

Descobrir um caminho de ascese directa, querer partilhá-lo com toda a humanidade com entusiasmo "É por aqui!!" e ninguém querer saber, toda a gente olhar para o lado e acabar por se afastar.

Por vezes, quando sou mais compreensiva até acredito que tenha de ser assim.

Acredito que tenha de levar o seu tempo e que a humanidade não está pronta para dar o salto quântico na escala da evolução.

Mas quantos mais eóns terão de passar?

Quanto tempo mais precisará?

Assombra-me a capacidade de conformismo, de preguiça e de auto-comiseração que o género humano consegue atingir.

Desde o sem-abrigo ao alto executivo. Um dorme na rua, outro conduz um BM série 7.

Ambos dormentes, ambos perdidos, ambos falhados como seres da Criação.

Não vivem. Não sobrevivem. Apenas sub-vivem.

De quanto mais tempo, desespero, comutação precisarão para baterem no fundo do poço com os pés com toda a força e sentirem a desesperada e voraz necessidade de respirar, de superfície de além-poço??

Quantos mais quilos de lodo terão de engolir?

Quanto mais abandono terão de sacrificar?

A ascese é limpa, é uma escada poderosa, que nos puxa para cima a cada passo com mais força.

É viciante, bela, segura. Árdua talvez.

Mas recompensadora.

É a única cura verdadeira para as dores da existência.

É uma escada cujo fim é o reencontro celestial com quem realmente somos, com o ser a quem foi soprado o Logos, a centelha de fogo da vida no início dos tempos.

Aí, abandonam-se as vestes de barro e assumem-se as de fogo e éter.

Passa a fazer-se parte de uma anarquia divina com que se saboreia a amplitude máxima de uma consciência absoluta, íntegra, perfeita, pura.

Para começar basta apenas abrir os olhos (para muitos pela primeira vez) e começar a caminhar.

Sair dos trilhos comutantes.

Pensar por si próprio e não aceitar nada que não provenha da auto-conclusão.

Esta é a primeira pedra.

Benzedura


"Ora é Lua!"

Pegando na faca de lâmina virgem, vertendo um pouco do primeiro azeite do ano na taça, dispondo alhos novos ainda com rama, cabelos soltos, pés descalços, vestido de linho tosco, comprido a roçar o chão. Sal, velas, água da fonte, carvão incandescente, ramo de alecrim e rosmanhinho a queimar.
Invoca-se a descida d'Aquela-Que e diz-se a meia voz em mantra mode:

"Aqui te corto
se és cobra ou cobrão
sapo ou sapão
aranha, aranhão
bicho de toda a nação
corto o rabo, a cabeça e a raíz do coração!
Tudo venha a bem amor
pelas cinco chagas místicas de nosso Senhor!"

A Faca rasga o Azeite em forma de cruz, corta a rama e o coração dos Alhos, Sal ao Fogo a crepitar, Água ao Fogo para acabar. Enterram-se os restos para a Mãe Natureza galvanizar.

"Dito foi, feito está!"

ADA! QASE, QASS e QASEDN!

E pronto.. EVOE!
Nota - Não efectuar em noites de lobisomem, anos bisextos ou sem o cuidado atento de alguém experiente ao lado, por perigo de transmutação em sapo e de dez anos de hirsutismo para toda a família.

Inconsciente ao Sabor da Pena


Por vezes parece-me que a realidade se desfragmenta. Regressa de novo o conceito de moscas temporais. De portais ciclópicos. De eterno retorno. De teias cósmicas feitas de pontos de luz unidos entre si. De membranas de filigrana de prata. De crepúsculos à beira Ganges. De realidades paralelas que se cruzam num momento de fusão eónico. Do sabor a eternidade. E a realidade desfragmenta-se porque sei que nada disto é ilusório. É tão real como a respiração, como o bombear do órgão do sangue, como a fome e a sede. Essa desfragmentação nunca se afigura caótica, pelo menos ao meu ser, uma vez que, se a considero real, convive em pacifismo e equidade com a realidade-padrão preponderante. E assim, os ciclos mágicos existenciais sucedem-se. São apenas um registo diatónico e por vezes até colorido de metafísica. Para além das fronteiras instituídas há sempre espaço para mais, existe sempre possibilidade de arrumação, de consagração, até de exaltação se for caso disso. Há também tempestades temporais, milenares que adjuvam a transformação, a evolução. Mas isso são falhas próprias de um sistema que ainda se encontra em fase de aperfeiçoamento. Sem falhas ou erros não há aprendizagem anímica. Daí que seja necessária toda a atenção, quase carinho pelo erro e consequente tempestade para tornar segura uma ascése plena e sólida, diria mesmo (multi)metacárpica, uma vez que se trata tão somente de escalar montanhas, A montanha pessoal, o também chamado Caminho. A cosmogonia existencial é tão palpável como passar a mão pelo cabelo. A densidade da observação e atenção humana é que pode ser de pouca profundidade e alguma distracção. O atlas da Alma humana existe. Está escrito a ferro e fogo numa égregora própria a que os sábios antigos chamam os Arquivos Akáshicos, ainda que infinitos, inacabados e labirínticos. Existem. São tão reais como a biblioteca de Alexandria o foi um dia. As confluências cósmicas, inter-galácticas são marcas profundas no Universo. Visíveis, mensuráveis, de cálculo um pouco colossal para a escala humana, mas alcançável por uma mente superior, uma mente da qual fazemos parte integrante. Uma mente que poderemos Ser um dia.

03 maio 2009

Tempus Fugit ou a Aranha Escondida


Sempre que, ao longo da existência, me foi dito ou me ocorreu que o tempo urge fico com um sabor amargo e cruel na boca da mente, uma espécie de consciência de que o tempo está a passar inexoravelmente, subtil, subliminar, neste preciso momento, milissegundo após milissegundo, minutos, horas, dias, meses, anos e não há nada que possa fazer quanto a este facto. Como se esta constatação não fosse, em si mesma, terrível e não bastasse já para atormentar o espírito, ainda se pode analisar o que realmente está a ser feito com esse tempo. Porque uma vez que o futuro vem, passa a presente e o presente passa, torna-se passado. :) Mind-bugging as hell! Por vezes escapam-se pensamentos do inconsciente que vêm ao de cima como bolha de ar subaquática. São as tais membranas de filigrana de prata com que me familiarizei há muitos anos, desde cedo, desde os primeiros passos de consciência. São como pontos de luz que estão de alguma forma unidos e que representam um cosmos muito particular, um universo intimista, tempestuoso, criativo, dinâmico e viril que faz parte do sotão gigantesco que é a minha mente [a mákina]. Algures, há também um jardim zen em cujo centro costruí um Dojo, pelas minhas próprias mãos. É aí que ultimamente tenho passado mais tempo. É quase sempre entardecer de um dia de verão ameno. Tem algumas árvores por perto e a brisa faz ondular os ramos e as folhagens como se dançassem. Por vezes também chove e faz trovoada. É bom treinar artes marciais sob a fúria dos elementos. Deixo-me ficar nesse canto a absorver o bater do coração da Terra e do Universo, em estado de consciência mínimo. É uma espécie de zazen autodidacta, sem tempo nem espaço. Aí, santa paciência para Chronos, tempus non fugit. Aí, degusto a eternidade ao sabor da minha ampulheta, protegida na minha bola de sabão cósmica, tendo apenas por companheira a Aranha Escondida, minha Mestra, que muito de vez em quando vem cá fora para me deixar parábolas em que pensar.

A Cama Voadora


Desde que Van Gohg cortou a orelha, a arte mudou!
Abriu-se uma porta imensa, larga, através da qual tudo pode entrar e sair, tudo é permitido.
Tal como aconteceu com o mundo da moda depois de John Galliano assassinar e rasgar, em excentricidade pura, a casualidade e formalismo da capital da moda nos anos noventa.
E ainda bem! Nunca suportei o Cubismo e muito menos os tailleurs da Dior.

Sorte ou Merecimento?


E assim, do nada, fotografava eu uma simples e desencantada flôr, quando sou presenteada com uma abelha perfeita, carregadinha de pólen nas patas de trás, atarefada na sua vida, a lixar-se bem para mim e para a minha máquina, quase a dizer: "Chega-te para lá pá, que eu estou a trabalhar!" e se enfia na dita flôr e me deixa fotografá-la nos seus sagrados afazeres. :)

Insecto Cisne


Os insectos são bichos vaidosos, narcísicos, falsamente modestos. Sempre a posar para o humano mais próximo com plena consciência de quão belos e perfeitos são. E eu aproveito.