05 maio 2009

O velho diabo


- “Com mil demónios!” disse o velho diabo. “Afinal de quantas colheres de madeira precisas tu, Artesão? Estou a ficar com bolhas nas minhas sacras mãos com a tua chantagenzinha…”
O Artesão suspirou e propôs-se a repetir novamente os pressupostos.
- “Criatura, já te expliquei. Queres que te ajude e te faça uma cruz sólida e digna, tens de me entregar mil colheres de madeira todas diferentes até ao sol-posto. Eu cumpro a minha parte e tu a tua.”
- “Mas por que raio te escolheria o Grande Arquitecto para esta missão? És nitidamente louco. Que têm de tão magnífico as tuas cruzes? Afinal qualquer uma que não vergue com o peso de um homem serve bem o propósito…”
- “Aí é que te enganas, aventesma! As minhas cruzes são feitas de madeira de acácia envelhecida em vinho velho e os entalhes com madeira virgem de laranjeira. Jamais encontrarás outras iguais nem que percorras esta terra mil anos.”
- “Shhhh, não Lhe dês ideias…” Disse o velho diabo encolhendo-se olhando para cima e esfregando as articulações doridas da já demasiado longa permanência na terra. E continuou … “ mas diz-me, para que queres tu o raio das colheres?”
- “ Colheres feitas por um diabo velho?!? São de uma utilidade magnífica. Olha, só os alquimistas da idade média, é uma lista infindável de encomendas, os druidas são outros, completamente maluquinhos por elas, não sabem fazer uma simples poção sem uma. Místicos, químicos, magos, exorcistas. Sabes lá … Não me largam. Tenho vendido bastantes das falsas, isto é, feitas por mim, mas é mau para o negócio. Assim que descobrem que não têm dedo de demónio, vêm cá reclamar, dão-me cabo da oficina, partem-me tudo, enfeitiçam-me a família, eu sei lá… Daí que não possa deixar passar esta oportunidade, entendes?”
- “Mas que porra de mundo este! Tenho saudades dos tempos do jardim do Eden. O Arcanjo Miguel com a sua espada de fogo mandava em todos nós e mais nada. Vocês eram uns bichinhos mansos e ludibriáveis… Se soubesse o que sei hoje, tinha estado mas é quietinho e deixava-vos na ignorância e sem salada de frutas. Mas estava tão aborrecido… “ E suspirou um longo e nostálgico suspiro voltando às colheres trôpegas e rudimentares.
O Artesão encolheu os ombros e continuou a talhar a Cruz. O fim do dia aproximava-se e ele sabia bem a quem se destinava esta. Era hora!